Vacinas do futuro prometem prevenir de derrame a alcoolismo
No fim do século 18, o médico inglês Edward Jenner notou que um número cada
vez maior de pessoas estava imune à varíola. E todas elas tinham uma coisa em
comum: trabalhavam na ordenha de vacas e tinham se contaminado com a varíola
bovina, doença parecida com a humana, mas sem apresentar riscos à vida do
paciente.
Em um primeiro experimento, Jenner retirou material das pústulas dos animais
doentes e usou para inocular o vírus em uma criança. Após poucos dias
convalescente, a pequena melhorou e se mostrou imune à varíola humana. Jenner
havia criado a primeira vacina, nome que vem, justamente, do vírus causador da
varíola bovina, o vaccínia.
Desde então, vacinas para variados tipos de doença foram criados. Mas é para
os próximos anos que essa área da medicina promete um salto evolutivo. Em Cuba,
por exemplo, onde já se aplica uma vacina
terapêutica contra câncer de pulmão, se fala que em breve haverá outra
contra tumores na próstata. Na Itália, se estuda como
evitar o Mal de Alzheimer. E até mesmo o alcoolismo
está na mira de alguns pesquisadores.
Uma dessas pesquisas foi destaque no início deste ano em uma conferência em
Londres. Liderada por Jan Nilsson, da universidade sueca de Lund, e por Prediman
K. Shah, diretor da divisão de Cardiologia do Instituto Cedars-Sinai, em Los
Angeles, o estudo tenta criar uma vacina que previna ataques cardíacos.
O que os dois pesquisadores pretendem com a medicação é evitar a
aterosclerose, doença progressiva causada pelo acúmulo de material - como o LDL
(o colesterol "ruim") - na parede dos vasos sanguíneos e que é uma das
principais causas de morte no planeta (não confundir com arteriosclerose, que é
o endurecimento das paredes dos vasos). Segundos os cientistas, esse colesterol
pode oxidar e, assim, não é mais reconhecido pelo sistema imunológico e é
atacado. A resposta autoimune leva uma inflamação do vaso sanguíneo, que pode
fechar e impedir a circulação (infarto) ou romper (derrame).
Outra projeto de Shah, de 2005, parece saído das páginas da ficção
científica. A pesquisa começou em 1992, quando o professor e colegas descobriram
na população de uma pequena cidade da Itália um gene mutante (chamado de A-1
Milano) que produz uma forma de HDL (o "bom" colesterol) que protege os vasos
sanguíneos de aterosclerose e inflamação vascular, processos que podem levar a
ataques cardíacos e derrames. Em 2005, os cientistas modificaram um vírus em
laboratório para que ele carregasse o gene mutante. O vírus foi injetado em
ratos e implantou o gene no DNA nos animais, que começaram a produzir a proteína
do A-1 Milano. Esse método ainda está em estudo.
A grande meta da medicina
Contudo, o grande objetivo dos médicos ainda parece ser a prevenção da aids. Se a camisinha como método preventivo não chegou nem perto de erradicar o HIV, os imunologistas esperam acabar com o vírus usando uma vacina. A doença é a sexta maior causadora de mortes no planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Contudo, o grande objetivo dos médicos ainda parece ser a prevenção da aids. Se a camisinha como método preventivo não chegou nem perto de erradicar o HIV, os imunologistas esperam acabar com o vírus usando uma vacina. A doença é a sexta maior causadora de mortes no planeta, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Contudo, ainda há temores de que antes de se imunizar a população o número de
infectados aumente, já que o medo da doença tende a diminuir. "Era um receio
para obter uma vacina. Se ela for muito boa, as pessoas vão voltar a ter
relações sem preservativo", disse o professor da Universidade de São Paulo (USP)
Marcos Boulos em entrevista anterior ao Terra.
Para o professor Edecio Cunha Neto, da Universidade de São Paulo (USP),
existem dois motivos para uma busca tão grande para uma substância que evite o
HIV: primeiro, a prevenção atual depende da vontade humana, o que se mostra
muitas vezes falho; segundo, a maior parte dos novos casos ocorre em países
pobres, que não têm dinheiro para pagar por remédios.
O próprio Cunha Neto pesquisa uma injeção para prevenir o HIV. E os primeiros
testes, em camundongos, já foram positivos na resposta imunológica e sem reações
adversas graves. O estudo deve seguir para testes com macacos rhesus,
geneticamente muito mais parecidos com o ser humano e que podem ser infectados
com a aids símia.
O pesquisador da USP explica que o projeto deles usa fragmentos do DNA do
vírus e os coloca em outros vírus atenuados que já são usados em vacinas (o da
febre amarela, o adenovírus e o próprio vaccínia), o que o professor espera que
aumente a resposta imunológica nos primatas.
Os cientistas vão testar todos esses vírus e tentar descobrir qual dá a
melhor resposta. "Hoje a gente acredita que a melhor resposta vá surgir por
combinação de vários vetores vacinais diferentes. Vai ser a nossa porta para
identificar qual é a combinação que vamos precisar para ter a melhor resposta de
todas".
Cunha Neto acredita que essa "nova geração" de injeções - contra câncer de
pulmão, aterosclerose e outras doenças -, vá vingar. Ele lembra, por exemplo,
que a maior parte dos casos de tumores de útero pode ser evitado ao prevenir o
HPV. "Isso vai ser cada vez mais factível na medida em que o conhecimento dos
processos da doença ficarem mais claros. Por exemplo, só foi possível fazer uma
vacina que controlasse o câncer de útero depois que surgiu a informação muito
clara de que o vírus é o fator principal causal. Se não tivesse essa informação
básica, ela não poderia nem ser desenhada".
Mas quando essas substâncias, se derem certo, podem chegar aos hospitais? Não
há como prever, já que são necessários muitos testes e, principalmente,
dinheiro. Cunha Neto chama a atenção, por exemplo, para o fato de testes com
humanos custarem caro, já que precisam ser de melhor qualidade para não colocar
a vida dos participantes em risco.
"O custo é de 100 a mil vezes maior do que o custo do material que você usa
com animal experimental. Só um de pelo menos dois componentes que devemos usar
nas vacinas para o teste (com humanos) custa US$ 250 mil e, o segundo, de US$
250 mil a US$ 500 mil", diz o professor. E isso é o suficiente para manufaturar
doses para testar cerca de 20 pessoas apenas. E isso se tudo der certo durante a
pesquisa. Por enquanto, resta estudar.
Fonte: Terra