Viagem ao buraco negro, é possível?
Uma discussão que tem tomado de assalto o mundo da física recentemente é: o que acontece quando você cai num buraco negro? A resposta ninguém sabe, mas uma nova teoria pode iluminar a velha questão. Segundo Joe Polchinski, do Instituto Kavli para Física Teórica, em Santa Barbara, na Califórnia, o que aconteceria é que você daria, basicamente, com a cara num muro. Ou, em termos um pouco mais científicos, você encontraria um beco sem saída no espaço-tempo.
Complicado? Você ainda não viu nada. Mas para prosseguirmos nessa jornada, precisamos recapitular alguns passos dessa discussão de quase cem anos.
O QUE É UM BURACO NEGRO?
O Sol tem 1,4 milhão de quilômetros de diâmetro. Agora, imagine a possibilidade de compactar toda a massa contida em nossa estrela-mãe numa esfera com diâmetro inferior a 6 km. Isso mesmo, míseros 6.000 metros. Bem, se você fizer isso, a gravidade em sua superfície se torna tão absurdamente intensa que nem mesmo raios de luz, viajando a 300 mil km/s, podem escapar dele. E se nem a luz consegue escapar, tudo que se veria, de fora, é uma bolota completamente negra. Daí o nome a que se dá a esses objetos.
Pois bem. Não há meio de compactar o Sol tão radicalmente. Quando Karl Schwarzchild fez essa conta pela primeira vez, em 1916, e mostrou a Albert Einstein — o criador da então novíssima teoria da relatividade geral, que nada mais é que uma teoria da gravitação –, seu colega famoso achou muito bacana, mas acreditou que tudo não passasse de um exercício matemático. Afinal, como seria possível existir um objeto assim no Universo real?
Acontece que os avanços na astrofísica mostraram que é exatamente isso que acontece quando uma estrela de alta massa explode. Se após a detonação — conhecida como supernova — sobrar um núcleo pelo menos 3 vezes mais massivo que o Sol, nenhum processo físico será capaz de impedir sua completa implosão. E aí se forma um buraco negro.
Uma coisa interessante sobre esses objetos é que a linha imaginária que delimita o ponto de não-retorno — o horizonte de eventos — não tem nada de particularmente especial. Seguindo a relatividade, essa região seria percebida por qualquer viajante que a adentrasse como espaço vazio convencional e assim continuaria até que ele chegasse ao centro do buraco — a singularidade — onde ele certamente seria esmagado como toda matéria ali localizada. Claro, ao cruzar o horizonte de eventos ele já não poderia voltar dessa viagem, mas de resto, sem drama.
O PARADOXO
Na década de 1970, o físico britânico Stephen Hawking adicionaria caroços nesse angu. Ao combinar certos efeitos quânticos à teoria da relatividade (que explica a gravitação), ele foi capaz de determinar que buracos negros não são completamente negros. Eles emitiriam uma suave radiação, que faria com que, ao longo de zilhões de anos, eles acabassem por evaporar completamente.
Até aí, sem problemas. O terror foi que Hawking também sugeriu que, quando qualquer coisa caía num buraco negro, a “informação” contida nela se perdia para sempre. Era como uma goteira pela qual estaria vazando o conteúdo do nosso Universo. Mesmo que toda a energia voltasse para cá em forma de radiação, a informação antes contida nas partículas que caíram no buraco estava perdida para sempre.
Pode parecer pouco, mas trata-se de um dos pilares da física: a informação no Universo deve sempre permanecer constante. Por isso, o problema apresentado por Hawking ficou conhecido como “paradoxo da informação”.
A SOLUÇÃO (E O NOVO PROBLEMA)
Durante décadas os físicos se debateram com isso. Agora, Joe Polchinski e seus colegas voltaram a chacoalhar a física de buracos negros ao apresentar uma teoria que explica como se pode “extrair” a informação do buraco negro. A resposta, contudo, traz um novo problema, que acabou chamado de “paradoxo do firewall”. O problema todo é que, para a informação poder ser recuperada de dentro do buraco, é impossível que alguma coisa realmente atravesse o horizonte de eventos. É como se uma barreira altamente energética impedisse essa travessia. Ou, de acordo com Polchinski, é como se o espaço-tempo acabasse ali mesmo, naquele muro.
Certo, como ninguém anda planejando fazer uma viagem a um buraco negro, saber se o sujeito é esmagado dentro dele ou bate com a cara no muro logo na entrada parece inconsequente. Mas não é. Porque esse resultado contraria a teoria da relatividade geral, ou seja, coloca o reinado de Einstein sob ameaça.
Alguns pesquisadores estão se debatendo para ver se é possível preservar o espaço-tempo como descrito pela relatividade e ainda assim trabalhar com a solução que resolve o paradoxo da informação. Uma possível solução está sendo desenvolvida por Juan Maldacena, do Instituto para Estudo Avançado, em Princeton, e Leonard Susskind, da Universidade Stanford, na Califórnia. E eles estão trazendo mais Einstein à baila, com os (não tão) famosos buracos de minhoca.
O buraco de minhoca na ficção, como visto em “Deep Space Nine”
Conhecidos tecnicamente como pontes de Einstein-Rosen, eles foram concebidos pelo físico alemão e seu colega americano em 1935, como uma possível conexão rápida entre dois pontos distantes do espaço-tempo. Na ficção científica, eles foram bastante usados como forma de promover viagem instantânea entre regiões afastadas do espaço (como na franquia “Stargate” ou na série “Jornada nas Estrelas: Deep Space Nine”). Na realidade da fronteira do buraco negro, eles fariam algo bem menos interessante. De algum modo, eles ligariam o conteúdo interno do buraco à região externa, permitindo assim que as coisas caíssem no interior sem grandes sustos, como sugere a relatividade geral, mas ao mesmo tempo deixassem sua informação guardada no “firewall” na borda do buraco.
A ideia ainda não evoluiu o suficiente para que convença os cientistas. Aliás, cabe lembrar que tudo isso no momento é uma grande especulação. Compreender os buracos negros exige a combinação da relatividade geral com a mecânica quântica, mas essas duas teorias aparentemente se recusam a ser misturadas no mesmo conjunto de cálculos. Há algo fundamental que está faltando, e é justamente por isso que os físicos se animam tanto com essas jornadas hipotéticas pelos buracos negros: eles esperam que, ao sondar o insondável em seus cálculos arrojados, eles encontrem as peças faltantes do quebra-cabeça, para afinal construir um arcabouço teórico capaz de responder por tudo que existe, desde as menores partículas até os maiores objetos do Universo.
Se você chegou até aqui e encara vídeos em inglês, ontem rolou uma teleconferência de cerca de 50 minutos sobre esse tema, com as participações de Polchinski, Susskind, Maldacena e Raphael Bousso, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Para revê-la — e ver com os próprios olhos a empolgação dos físicos com essa série interminável de interrogações –, basta visitar o site da Fundação Kavli, que promoveu o bate-papo, clicando aqui.
Fonte: Folha