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Por que a maioria das pessoas é destra e não canhota?

Impressões de mãos, em sua maioria canhotas, na Cueva de las Manos, Argentina. Mariano/Wikimedia Commons, CC BY-SA
É curioso que a maioria dos seres humanos seja destra, mas será que isso é aleatório ou uma consequência da seleção natural?

Em geral, o fato de ser destro está associado à destreza, competência e correção, enquanto o fato de ser canhoto (zurdo, em espanhol) está carregado de conotações negativas. Segundo a Real Academia Española, é sinônimo de mal, sinistro, perverso ou ameaçador, uma consideração que está presente desde os tempos antigos. Segundo o dicionário Aurélio, um dos sentidos possíveis para a palavra “canhoto” é “inábil, desajeitado, desastrado”.

Sem ir mais longe, nas primeiras representações cristãs do Juízo Final, os justos são colocados à direita de Deus, o Pai, enquanto os eternamente condenados são colocados à sua esquerda. Avaliações semelhantes são encontradas em culturas orientais e no mundo islâmico a mão esquerda é reservada para funções escatológicas.

De qualquer forma, o esquerdo incorporou culturalmente um estigma negativo, sendo associado a “estranhezas suspeitas” e marginalizando seus portadores. Isso é semelhante ao que acontece com outras anomalias, como o albinismo na África negra.

Qual é a razão para essa avaliação diferente?

A explicação intuitiva é que, estatisticamente, é mais comum ter mais habilidade no braço direito do que no esquerdo. Embora haja variações entre diferentes povos (China: 5% de canhotos, Ocidente: 10-12%), a opção destra é sempre majoritária. No entanto, o que é frequente não precisa necessariamente ser o melhor em termos adaptativos, e pode ser devido a contingências aleatórias.

Então, por que somos, em sua maioria, destros e qual é a base biológica desse fenômeno?

Primeira hipótese: natureza genética ligada ao sexo

Sabe-se que o fato de ser canhoto tem uma probabilidade ligeiramente menor de sobreviver até a velhice e é maior em homens, e tem sido associado aos níveis de testosterona. O canhotismo é fixado por volta da puberdade e está associado a uma frequência maior de doenças imunológicas, enxaquecas e distúrbios cognitivos durante o aprendizado e o amadurecimento.

Então, o canhotismo é codificado geneticamente nos cromossomos sexuais? Certamente não no cromossomo Y, já que existem mulheres canhotas. Esse suposto gene estaria, então, localizado no cromossomo X? Nesse caso, a condição hemizigótica masculina (XY) tornaria esses fenótipos mais frequentes se fosse uma característica recessiva.

Entretanto, isso também não seria uma boa maneira de explicar por que o canhotismo é mais prevalente em gêmeos, bebês prematuros e indivíduos que sofreram estresse ou condições de hipóxia fetal. De fato, essas circunstâncias também levam a uma prevalência de canhotos em chimpanzés, nossos parentes vivos mais próximos. Tampouco as frequências de ocorrência seriam o resultado de Mendelianismo típico, ou seja, esperaríamos que 50% dos homens fossem canhotos e apenas 25% das mulheres fossem canhotas.

Se for de natureza genética, então seria mais complexo.

Segunda hipótese: a suposta vantagem adaptativa da destreza

Embora ambas as mãos possam, potencialmente, desenvolver a mesma força e destreza, a realidade é que elas não o fazem. Essa assimetria morfológica pode ser uma evidência de processos anatômicos internos que se desenvolvem de forma diferente nos lados do corpo.

Os primeiros estágios embrionários dos mamíferos respondem ao desenvolvimento de órgãos e sistemas com clara simetria bilateral. Entretanto, o sistema digestivo apresenta assimetrias muito precoces no posicionamento de seus órgãos.

Essas diferenças também aparecem na configuração pulmonar (dois lobos à esquerda contra três à direita). Da mesma forma, o vaso circulatório primordial se curva, torce, compartimenta e cresce diferencialmente, gerando um maior desenvolvimento do arco aórtico esquerdo (em mamíferos, porque nas aves o direito é dominante).

O resultado é que o órgão vital por excelência, o coração, é deslocado para o hemitórax esquerdo, assim como a aorta.

Vamos refletir sobre esse fato. Como qualquer lesão em potencial será mais perigosa no tórax do que no abdômen, e mais ainda no hemitórax esquerdo do que no direito, os seres humanos sempre tenderam a proteger essa área. A postura ereta aumenta a exposição e a vulnerabilidade de nosso tórax. Isso nos levaria a pensar que a condição destra é potencialmente mais “adaptativa”, pois implica uma taxa de sobrevivência mais alta.

Os exércitos de diferentes culturas desenvolveram escudos que, carregados com o braço esquerdo, protegem o hemitórax desse lado do corpo. Isso deixa a mão direita livre para atacar. Entretanto, na biologia evolutiva, é preciso levar em conta que, para certas características, há uma seleção dependente da frequência inversa. Em outras palavras, os canhotos têm uma vantagem no combate individual em um mundo de destros.

Entretanto, essa razão é descartada porque a integração de canhotos em formações militares fechadas leva mais a problemas de coordenação com destros do que a vantagens individuais. Além disso, essa explicação não se aplica às mulheres, que não têm participado maciçamente de formações militares.

Para testar essa hipótese, precisaríamos saber se as primeiras manifestações de canhotismo são anteriores ao surgimento relativamente recente de escudos e espadas. De fato, esse é o caso, pois as populações atuais de caçadores-coletores, com um estilo de vida semelhante ao do Paleolítico e que não usam escudos, também são predominantemente destras.

As primeiras estimativas de canhotos são encontradas na caverna argentina de Las Manos, cujas pinturas mais antigas foram datadas do oitavo milênio a.C. Lá, as 829 impressões negativas de mãos esquerdas, comparadas a apenas 31 mãos direitas, nos dizem que seus habitantes eram em sua maioria destros.

As mãos carimbadas com técnicas semelhantes em cavernas espanholas, francesas e italianas refletem uma condição semelhante em populações européias mais antigas: o caso das 57 impressões para canhotos da caverna de Cáceres Maltravieso (talvez neandertais devido à sua cronologia, estimada em mais de 64 000 anos) ou as 275 da caverna de Santander Castillo, a maioria delas de mulheres.

Outra forma de conhecer a natureza destra ou canhota das populações primitivas seria a análise da lateralidade nas marcas e arranhões produzidos com ferramentas líticas nos ossos de suas presas ou em sua própria dentição. Na população de Sima de los Huesos em Atapuerca, com mais de 450.000 anos, descobriu-se que o Homo heidelbergensis já era predominantemente destro. Outras espécies mais antigas de nossa linhagem evolucionária mostram em seus moldes cerebrais evidências de dominância destra.

Com base no exposto, portanto, a causa da predominância de destros não está definitivamente clara. De qualquer forma, e considerando que a expectativa de vida das pessoas canhotas é um pouco menor do que a da população em geral, pode-se considerar que essa condição ainda implica “má sorte”.The Conversation

Por Ildefonso Alonso Tinoco, Médico adjunto especialista en obstetricia y ginecología, Universidad de Málaga; A. Victoria de Andrés Fernández, Profesora Titular en el Departamento de Biología Animal, Universidad de Málaga e Paul Palmqvist Barrena, Catedrático de Paleontología, Universidad de Málaga

Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation